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Fialho de Almeida ― Pasquinadas

Pasquinadas (jornal dum vagabundo) ― quarta edição
 
Porto: Livraria Chardron, de Lélo & Irmão, L.da, editores – Rua das Carmelitas, 144 (Aillaud e Bertrand – Lisboa - Paris). [S/d - 1923?]. In-8º de 380 [aliás, 382], [2] págs. Enc.

São hoje bastamente conhecidos alguns dos capítulos entre as três dezenas que compõem o livro: «A Boa-Hora cómica» (logo o inaugural, sátira ao quotidiano do tribunal da baixa lisboeta), «Camilo» (por ocasião da última temporada olisiponense do romancista, que Fialho então veria pela primeira vez e de quem dizia não ser só “um cultor das letras e das artes, um grande e férreo chefe, sem discípulos nem soldados – mas uma literatura completa, inconfundível e extraordinária (...) Ao lado dêste nome, Deus me perdôe, mas cuido que a trilogia romântica empalidece”; cuidava bem, e Deus,  já para não pedir  em  espírito os  próprios Garrett, Herculano e Castilho, lho perdoou decerto), «Os duelos» (outra sátira, sobre o tema em título), «Concurso de pintura histórica» (no habitual estilo, de quase tudo maldicente, até de Columbano... que lhe viria, mesmo assim, a  traçar um dos seus extraordinários retratos logo no ano seguinte), «Lisboa monumental» (com edição independente na segunda metade do século, agora  há pouco repetida), a recensão a «Os Maias» (“trabalho torturante, desconexo e difícil dum homem de génio que se perdeu num assunto, e leva 900 páginas a encontrar-lhe saída, correndo e percorrendo muitas vezes o mesmo carreiro, na persuasão de que vai triunfante, por uma grande e bela estrada real”, 900 páginas essas em que, “coisa singular! não há logar para uma só mulher honesta”), «Praias e termas», «No Buçaco». A concluir o volume, está ainda o que deverá ter sido a segunda mensagem  menos animadora de  «Fim de Ano» de que tenho memória literária, só ultrapassada em dessoro por um poema de Heiner Müller, «Carta de Ano Novo»; é transcrita de seguida, sem tirar nem pôr (também pontuação, e aqui é o leitor quem terá de perdoar).
 
Exemplar da série encadernada pela editora em percalina relevada, com gravações a dourado sobre lombada e frente.

14€

 
 

                                                            FIM DE ANO
                                                                       
                                                                     
                                                                          ———
 
                                                                       31 de Dezembro, à meia noite.  

   

    Na ratoeira do tempo ainda ignòbilmente está a agonizar 89, e já ao faro do queijo, o ratinho de 90 se prepara a esfusiar pela portinhola do cárcere, a sua cabeça aguda e chata de roedor.
    Não tenho esperança de que êste valha mais e produza melhor do que o seu camarada assassinado: porquanto à corrosão do ano vélho virá juntar-se a corrosão do ano novo, e pelos buracos que êle fizer nos andrajos dos nossos costumes, dos nossos desmazelos, e dos nossos vícios, não transparecerá mais do que um corpo social inválido e esquelético, incapaz de reacção, de esfôrço, ou de actividade, e irremediàvelmente votado à morte moral, que é, na escala da ignomínia, o mais cruel de todos os castigos.
    Êle aí vem, 90 !... com o mesmo parlamento a esbarrondar de intrigas e ambiciúnculas corriqueiras, a mesma bobage torva nas cumieiras do Estado, a mesma inanidade nos tipos, a mesma falta de iniciativa nos caracteres, e esterilidade idêntica nos ventres das mulheres, no cérebro dos homens, e na cornucópia sôfrega dos argentários.
    90 é mais um acto desta farçada de vida em que os homens se entrechocam, como Polichinelos, sem o respeito que salvou a geração de nossos avós, e sem o desprêzo que foi longos anos a grande fôrça cívica de nossos pais.
   — Rato de esgôto, passa depressa, e livra-nos de ti !